O dinheiro foi um dos conceitos mais abstratos inventados pela humanidade.
É um conceito que não tem rosto...mas tem coluna vertebral - O Poder de Escolha.
A propriedade privada está intrinsecamente associada à família patriarcal. Com ela e a necessidade das trocas, surgiu o dinheiro, primeiro a moeda, depois o papel moeda.
As coisas têm o valor que lhes atribuímos. Coisas raras e bonitas suscitaram a atenção de todos, fossem conchas, metais brilhantes ou pedras raras. Os mais fortes ficaram com elas para si. Líderes políticos usaram-nas para ostentação do seu poder. Os que os apoiavam, usaram-nas como "moeda de troca". As "coisas" materiais foram substituídas por outras, outras coisas que tinham um significado mais relacionado com as expectativas de Riqueza, Prestigio e Poder, do que de utilidade prática.
Paradoxalmente, o tipo de sociedades que inventaram o dinheiro, e que atualmente são sociedades de cariz coletivistas, são agora as menos capazes de lidar com ele.
Para os Católicos, o dinheiro é visto como um pecado, daí a tendência de "deitarem" a mão ao dinheiro dos outros, só para que estes não caiam em tentação.
Para os Protestantes, o dinheiro é um indicador de que se nasceu predestinado para o Céu.
O dinheiro é tudo, pois permite às pessoas a liberdade de escolha, a interação de vontades e o acumular de Poder.
Imaginemos, vai um dentista à aldeia para tratar alguns clientes. Estes, na sua vida simples e humilde, decidem pagar com aquilo que têm - umas galinhas, umas alfaces, etc.. O pobre do dentista, além do trabalho que teve, ainda tem o trabalho de tomar conta daquilo que lhe pagaram, para que essa vantagem não desapareça. As galinhas têm que ser alimentadas, pois podem morrer; as alfaces podem apodrecer, etc... Pior de tudo, o dentista não tem a hipótese de escolher o que fazer com o pagamento que lhe foi dado.
O dinheiro começou primeiro por valer pela raridade dos materiais de que era construído. Depois, com o aparecimento do Estado e das instituições financeiras, foi transformado em papel, com a promessa de um pagamento por esse papel. Assim, a abstração aumentou. O valor foi substituído pelo valor/confiança em quem o cunhava.
Estados fortes, bem liderados por pessoas inteligentes, conseguiam atrair investidores, na promessa de que a o valor do dinheiro tenderia a aumentar de forma segura.
Nas antigas Cidades-Estado da península itálica, para poderem financiar as guerras que travavam entre si, os soberanos tiveram uma ideia - emitiram papel onde se obrigavam a pagar uma determinada quantia a quem o comprasse, acrescido de uma percentagem de lucro - as chamadas Obrigações. Assim, os cidadãos dessas Cidades-Estado podiam financiar essas as guerras, dando dinheiro a esses soberanos, em troca desses "papeis". Ao fim de algum tempo, depois da guerra acabar, poderiam levar nas mãos essas Obrigações e solicitar de volta, a esses soberanos, o dinheiro mais o lucro devido.
Quando a guerra acabou e não houve dinheiro para dar às pessoas, pois os saques foram fracos, os soberanos disseram aos seus cidadãos: - não temos dinheiro para vos dar, mas podem transacionar entre vocês esses papeis com se fossem dinheiro. Tinha acabado de nascer um produto derivado do dinheiro - as tais Obrigações... bem como a "Confiança no Papel",...ou a falta dessa confiança.
Esta história que vos conto, é REAL, e ilustra como este mecanismo funciona.
ERA UMA VEZ...
Chega o Eduardo Baptista a uma frutaria chinesa, na Avenida Miguel Torga, na Tapada das Mercês - Sintra, e depois de colocar um kilo de maças no saco diz para a dona:
- Amiga, agora não tenho dinheiro, mas deixo-lhe aqui este papel assinado por mim, como devo 10 €.
A empresária independente pensa: este vizinho é uma pessoa de confiança, para além de que sei onde ele vive. Mais tarde apresento-lhe este papel e reaverei o dinheiro.
E assim ficou, “a Garantia”.
A dona da mercearia, alguns dias depois, ao comprar um champô no supermercado, repara que não tem dinheiro, mas ainda tem a “garantia” no bolso do casaco, e diz:
- Dona Ermelinda, posso-lhe pagar com esta garantia, é do Sr. Eduardo Baptista, um cidadão exemplar. Você conhece.
Diz a Dona Ermelinda:
- Então não conheço, até é meu cliente, deixe essa garantia comigo.
E assim ficou, “a Garantia”.
Mais tarde, a Dona Ermelinda, sem dinheiro para trocos, entrega a garantia a outro cliente.
Passados uns dias, chega o Eduardo Baptista com uma nota de 10€ à frutaria e diz:
- Amiga, não sabe como lhe estou grato, conforme palavra dada, venho-lhe entregar o dinheiro devido, mas passe para cá o meu papel.
- Não esperava outra coisa de si – diz a dona – mas olhe, vá à Dona Ermelinda, foi ela que ficou com “a garantia”.
E lá foi ele.
- Não Sr. Eduardo, também já a passei a outra senhora – disse ela muito bem disposta.
O Eduardo Baptista começou a pensar que assim tinha ganho 10€. Mas não, ainda alguém lhe poderia bater à porta um dia. O melhor seria guardar o dinheiro “da garantia”... ou “da dívida”.
Não!! Pensou melhor. O ideal seria emitir mais garantias, guardar o dinheiro em casa, a jogá-lo na bolsa. À medida que as pessoas aparecessem, ia-lhes restituindo o dinheiro. E assim fez e assim foi ganhando uns trocos na bolsa.
Certo dia a campainha tocou – trimmm!!!
- Sr. Eduardo, sou eu a Maria – segredou uma voz rouca do outro lado da madeira da porta.
- Sim, Dona Maria? – replicou ele.
- Venho buscar “a dívida”, desculpe, a “garantia”. Mas se quiser pode pagar em géneros!!
E foi assim que tudo se passou, quando o Eduardo fez 70, a confiança no papel caiu abruptamente e todas as mulheres do bairro correram a vender os papéis das garantias ao desbarato, o que fez cair o valor do Euro na UE.
Viva o Capitalismo...e os conceitos abstratos!!!
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